Villas Bôas, comandante do Exército: Forças Armadas 'estão atentas'.
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Em meio a manifestações pelo país, declarações dos protagonistas da sessão do habeas corpus de Lula revelam o estresse dos bastidores da decisão do Supremo
Criticando a morosidade da Justiça brasileira, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, enviou ontem um recado nominal aos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) reafirmando a posição da Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre o cumprimento da pena após condenação em segunda instância. Um dia antes do julgamento do habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ela fez questão de lembrar aos ministros que a PGR é favorável à detenção nos casos julgados pelos colegiados de segundo grau. Em novembro do ano passado, Dodge já tinha defendido esse posicionamento.
Durante sessão do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), a procuradora-geral disse que a execução de uma sentença após quatro instâncias judiciais é “um exagero que aniquila o sistema de Justiça, exatamente porque uma Justiça que tarda é uma Justiça que falha”. A fala desfaz o bordão usado em tom de justificativa pelos agentes do Judiciário de que, quando criticados, respondem que “a Justiça tarda, mas não falha”. Também afirmou que o tema traz desconfiança à decisão do juiz, sobretudo de primeira instância, “cuja sentença só será validada se confirmada três vezes por tribunais superiores a ele”.
De Lisboa, o ministro Gilmar Mendes declarou que o tema virou “uma grande confusão”. Ele declarou que “na prática” a autorização da Corte, dada a partir de entendimento firmado por maioria dos ministros em 2016, “virou uma ordem de prisão”. “Nessa questão de segunda instância, o meu entendimento, que acompanhei a maioria formada então, é de que nós estávamos dando uma autorização para que, a partir da segunda instância, houvesse a prisão, pudesse haver a prisão”, anotou o ministro. “Portanto, era um termo de possibilidade. Na prática, o que isso virou? Virou uma ordem de prisão com a segunda instância.”
O ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Gilson Dipp disse que “essa confusão toda foi criada pela presidente do Supremo (ministra Cármen Lúcia)”. Segundo ele, tudo é resultado de situações regidas dentro da Corte, “como o ministro que tinha uma viagem e usou isso como argumento para cancelar o julgamento do habeas corpus no mês passado”. Para Dipp, “o STF deveria dar uma interpretação semântica ao tema”, o que, segundo ele, não vai acontecer. “Vai acabar assim: o Supremo vai inventar alguma coisa e o resultado será imprevisível.”
Votação
Da última vez que essa questão foi analisada, em novembro de 2016, os ministros avaliaram a questão por meio de uma votação virtual — que confirmou o placar de 6 a 4 —, pois a ministra Rosa Weber não se manifestou, mas já era voto contrário. Com a entrada de Alexandre de Moraes no STF, em 2017, após a morte de Teori Zavaski, ainda não houve votação sobre o tema. Ele sinalizou, entretanto, ser favorável ao atual entendimento.
Sendo assim, a média de votos tende a continuar igual, e o voto decisivo seria, justamente, o da ministra Rosa. Embora seja contrária à mudança, ela atuou conforme o entendimento do colegiado em 57 dos 58 habeas corpus que julgou nos últimos dois anos. A expectativa é de que o voto dela seja decisivo para o futuro do ex-presidente Lula. Enquanto essa questão não se resolve, há, pelo menos, cinco HCs parados no Supremo. Ninguém os coloca “em mesa” enquanto o assunto envolvendo o petista não for resolvido.
Caserna
Por meio das redes sociais, o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, deu um recado controverso à população, ao assegurar que as Forças Armadas estão “atentas às suas missões institucionais”, e que o órgão repudia a impunidade. A declaração foi feita ao mesmo tempo em que ocorriam manifestações pelo país contra o habeas corpus de Lula.
“Nesta situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo: quem realmente está pensando no bem do país e das gerações futuras, e quem está preocupado apenas com interesses pessoais?”, indagou Villas Boas em conta no Twitter. Segundos mais tarde, ele completou: “Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social, e à democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais”.
As reações à declaração foram variadas. Os dois textos, juntos, tiveram mais de 10 mil curtidas em menos de uma hora, e mais de 4 mil compartilhamentos. De um lado, usuários do microblog parabenizaram o general pela posição, enquanto outros questionaram se isso daria margem ao entendimento de uma possível intervenção militar. Ontem, mais cedo, o general de Exército da reserva Luiz Gonzaga Schroeder Lessa afirmou que, se o STF deixar Lula solto, estará agindo como “indutor” da violência entre os brasileiros, e que não restará outra alternativa a não ser intervenção militar. “Se acontecer tanta rasteira e mudança da lei, aí eu não tenho dúvidas de que só resta o recurso à reação armada. E aí é dever da Força Armada restaurar a ordem. Mas não creio que chegaremos lá”, completou.
O jogo
O plenário do STF analisa hoje um habeas corpus apresentado pela defesa do ex-presidente Lula
Pena: 12 anos e um mês de prisão
Acusação: ter recebido um tríplex de R$ 2 milhões como propina da construtora OAS
Crimes: corrupção e lavagem de dinheiro
Pedido: responder em liberdade até o fim do processo
A sessão
» Tem início às 14h
» 11 ministros da Corte votam pela concessão ou não do habeas corpus
» O primeiro a votar é o relator, neste caso, o ministro Edson Fachin
» Não existe tempo definido para a duração de cada voto
» Por ser presidente do tribunal, a ministra Cármen Lúcia é a última a votar
Possíveis resultados
Maioria vota a favor do habeas corpus:
» Lula poderá ficar em liberdade até o julgamento de recurso especial, apresentado ao STJ, ou recurso extraordinário, no STF
Maioria rejeita o habeas corpus:
» Ex-presidente Lula é preso após a análise de um recurso apresentado
no TRF-4. A prisão pode ocorrer nas próximas duas semanas
Os efeitos
» O caso passa a ser base para outros pedidos do tipo.
Pode resultar em efeito cascata nos tribunais
» O resultado indicará qual a posição do plenário sobre a
prisão após condenação em segunda instância
Dólar atinge maior alta
As preocupações dos investidores com a proximidade do julgamento do habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ganharam força na tarde de ontem e sustentaram o dólar em alta firme, atingindo novo pico no ano. A moeda americana chegou a operar em baixa pela manhã, acompanhando influências externas, mas se rendeu a um clima de maior desconfiança à tarde e fechou em alta de 0,72% no mercado à vista, cotada a R$ 3,339, maior valor desde 23 de junho do ano passado (R$ 3,3409). O volume de negócios somou US$ 1,569 bilhão, de acordo com dados da B3. Em última análise, a busca por posições defensivas foi motivada pelo temor de que o petista, que lidera as pesquisas de intenção de voto, consiga se desvencilhar de empecilhos jurídicos e registre a candidatura.
Via: Diário de Pernambuco
Por: Simone Novaes