quarta-feira, 24 de outubro de 2018

"A escola tem que ensinar a pensar", afirma a diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da FGV


A educação brasileira precisa ser repensada para atingir as metas do século 21. Para isso, é preciso formar professores, oferecer espaços mais acolhedores, discutir e implementar mudanças nos currículos e ensinar os alunos a pensarem e a agirem com autonomia. As afirmações são da diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais (Ceipe) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), um dos principais nomes do setor no país. Com experiências na gestão pública, tendo sido secretária de Educação do município do Rio de Janeiro e de Cultura no estado de São Paulo, ela mapeia experiências de excelência em educação. Em entrevista ao Diario, Claudia Costin falou sobre os retrocessos, avanços e o futuro do Brasil.

Foto: Carol Carquejeiro

Há uma preocupação atual em relação à educação relacionada ao futuro do mercado de trabalho. Como essa questão tem sido vista? 

No ano passado, a OIT (Organização Internacional do Trabalho) criou uma Comissão Global sobre o Futuro do Trabalho (o grupo, liderado pela presidente das Ilhas Maurícios, Ameenah Gurib-Fakim, e o primeiro-ministro da Suécia, Stefan Löfven, tem 28 integrantes, sendo Claudia a única brasileira e a única da área de educação). O objetivo é analisar o impacto de mudanças estruturais sobre o mercado de trabalho. São mudanças na área tecnológica; na área demográfica, com alguns países tendo um maior número de jovens e outros com aumento no número de idosos, e a própria globalização. Minha função no grupo é justamente sobre como educar para esse futuro. A revolução industrial (nos séculos 18, 19 e 20) trouxe a substituição do trabalho manual pelas máquinas. Agora, no século 21, a substituição tem sido não só do trabalho manual, mas também da inteligência, através da inteligência artificial. Precisamos preparar as novas gerações para as demandas e competências desse novo tempo. A previsão é de que, até 2030, um terço dos postos de trabalho não existam mais. No entanto, não só serão extintas profissões existentes, mas outras serão criadas. 

Quais são, então, as novas competências necessárias para esse futuro? 

Não temos certeza em relação a essas novas competências. O futuro tem um quê de incerteza, mas alguns aspectos já podemos perceber como muito importantes, e as escolas já podem ensiná-los. É importante ter em mente que a extinção (de postos de trabalho) será em ondas. Não será de uma vez. Então, uma competência que pode ser ensinada é a capacidade de se reinventar várias vezes, pois será uma habilidade necessária diante dessas estimativas. A escola, nesse sentido, deve ensinar o aluno a aprender. Outra competência fundamental está relacionada à resolução colaborativa de problemas. As máquinas ainda não conseguem identificar problemas sistêmicos, relacionados à sociedade, por exemplo. Aprender a resolver problemas com pessoas de diferentes áreas, então, será uma competência unicamente humana. Máquinas aprendem com o humano, mas não de forma colaborativa para resolver problemas, que é a capacidade para se envolver em um processo em que dois ou mais agentes tentam resolver um problema, partilhando a compreensão e o esforço necessários para chegar a uma solução, reunindo conhecimentos, competências e esforços. Essa competência é tão importante que o Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, principal avaliação internacional de educação, com propósito de avaliar o desempenho escolar de diversos países em três quesitos principais: matemática, ciências e leitura) de 2015 avaliou a Resolução Colaborativa de Problemas (RCP), considerando o que a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) a definiu como uma competência necessária em contextos de educação e trabalho. Nesse quesito, o Brasil ficou em último lugar entre 44 países. Isso significa que precisamos trabalhar essa questão.

Existem outras competências em que as máquinas não poderão substituir os humanos?

Sim, a empatia é outro exemplo. As máquinas não têm essa competência. As competências que temos que desenvolver são as que nos tornam humanos, isto é, as características humanas, como o pensamento crítico, que a máquina não tem condições de ter, e o pensamento sistêmico, ou seja, ser capaz de relacionar aspectos menores a um contexto maior. Uma competência relevante para o futuro é a capacidade de navegar em culturas diferentes, isto é, a agilidade cultural. Saber entender as diferentes normas culturais e interagir com elas, entendendo o que uma pessoa quer dizer com determinadas expressões faciais ou frases inseridas em diferentes sentidos também será uma aptidão importante. Como essas mudanças devem ser entendidas? As pessoas vão ter que ficar constantemente mudando e aprendendo. As universidades terão, portanto, que adquirir outras tarefas, como ter mais cursos curtos para reciclar os seus egressos e também ter um ecossistema educacional, onde escolas e universidades terão mais cursos semipresenciais (parte presencial, parte a distância). Outra questão importante nesse cenário será a certificação de conhecimentos se que adquire no mundo do trabalho ou no ensino médio para não repetir o conhecimento. Hoje, por exemplo, muitos alunos precisam voltar a ver no ensino superior questões que já aprenderam em um curso técnico. Seja em situações formais, como num curso profissionalizante, seja na prática, como no mercado de trabalho, será preciso certificar as pessoas em relação às competências que elas já têm para que não precisem passar pela mesma formação mais de uma vez. 

Qual é o raio x do Brasil nesse sentido? 

Somos um país que universalizou o acesso aos ensinos fundamental 1 e 2 muito tardiamente. Isso impacta não só em questão de direitos, mas também na escolaridade dos filhos dos que tiveram pouco tempo na escola. Estudos mostram que 68% do sucesso escolar de uma criança depende da escolaridade dos país. Se os pais tiveram pouca escolaridade, os filhos terão mais dificuldades para estudar. Estamos avançando mais no acesso ao ensino médio, que ainda não é universalizado no país. A pré-escola também está no caminho da universalização, com quase 95% de taxa. A universalização indica que a criança ou o adolescente ou o jovem está na escola, mas não significa que ele está aprendendo. Estamos entre os dez países com o maior PIB, mas ocupamos posições entre os últimos no Pisa. Tem algo de muito errado na nossa educação.



Via: Diário de Pernambuco

Por: Simone Novaes

Simone Novaes

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