sábado, 9 de fevereiro de 2019

Moradores de Macacos, MG, vão à Justiça para que Vale desative barragens


"Faz 18 anos que aconteceu e até hoje essas lembranças não saem de dentro de mim. A cada vez que eu vejo uma tragédia desta, como ocorreu em Brumadinho e Mariana, o meu medo aumenta ainda mais.” As palavras são do mestre de obras aposentado Jaime Gomes do Santos, de 73 anos, mais conhecido como Vô, que foi um dos sobreviventes do rompimento da barragem da mineradora Rio Verde (hoje Vale), em Macacos, (São Sebastião das Águas Claras), em Nova Lima, na Grande BH, em 18 de junho de 2001.

Foto: Beto Novaes

Na época, cinco pessoas morreram quando a barragem rompeu e os rejeitos de minério encobriram dois quilômetros de uma estrada e também causou assoreamento, degradação de cursos hídricos e destruição de mata ciliar. No momento do desabamento, Jaime voltava do trabalho no Morro do Chapéu para sua casa, em Macacos. Ele lembra que pegou carona com um conhecido num caminhão e estavam na estrada quando o veículo foi arrastado e encoberto pela lama, parando em um barranco. “A nossa sorte é que a lama não entrou na cabine do caminhão. Tentamos quebrar o vidro com o pé, mas não conseguimos. Eu já estava ficando sem ar, quando dei um murro no para-brisa e consegui abrir uma ‘gretinha’ e o ar entrou. Eu e meu amigo respiramos o mesmo ar e aí ganhamos força para sair de lá. Hoje eu comemoro dois aniversários, porque eu nasci de novo”, diz, emocionado.

Morador da comunidade há 33 anos, Jaime conta que convive com o medo de outra barragem na região romper. “Todo dia a gente dorme e acorda com esse medo. Lembro-me quando eles começaram essa barragem e ela tinha menos da metade da minha canela de água. Hoje, olha o tamanho disso. Se romper, leva todo o povoado embora”, lamenta.

A Mina Capitão do Mato, mais conhecida como Barragem do Pasárgada, também é administrada pela Vale. De acordo com a classificação das barragens de mineração brasileira divulgada pela Agência Nacional de Mineração, com data-base de janeiro de 2019, tem um volume de 2,1 milhões de m³ e é considerada de baixo risco, mas com dano potencial associado alto. A Barragem da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, apesar de ter um volume maior de rejeitos, cerca de 12 milhões de m³, também apresentava baixo risco e potencial associado alto de acordo com o relatório, e acabou cedendo em 25 de janeiro, deixando até sexta-feira 157 mortos e 165 desaparecidos.

AÇÃO

O vice-presidente da Associação Comunitária de Macacos (ACM), José Paulo Ribeiro Fontes Júnior, afirma que está preparando um documento para entrar com uma ação contra a Vale nos ministérios Público Federal e Estadual. Segundo ele, a ação preparada pela Associação, em conjunto com moradores, deve ser protocolada na próxima segunda-feira, 11 de fevereiro. “Estamos fazendo um documento pela Associação e moradores também vão entrar com outras ações pra pedir um posicionamento da Vale por lá, já que a gente não consegue isso de forma amigável”, comenta. No documento, a ACM pede que a Vale desative todas as barragens que se concentram em Macacos e passe a extrair o minério com processamento a seco.

“A Vale fez uma reunião com a gente no ano passado e usaram a barragem de Brumadinho como modelo de segurança e olha o que aconteceu. Não sabemos mais o que fazer. Eles não conversam com a gente, não falam nada. Na quarta -feira (no último dia 30), teve gente que disse que ouviu a sirene e saiu correndo, sem rumo, até com criança no colo”, conta José Paulo. Ele acusa a empresa de nunca ter promovido um treinamento com os moradores, nenhum plano de fuga. “Eles apenas instalaram os equipamentos, mas ninguém sabe o que fazer se eles tocarem, nem como eles tocam. Qualquer sirene que as pessoas escutam, elas já saem desesperadas, porque nunca sabem se é ou não a da barragem”, completa.

OUTRO LADO

Procurada, a Prefeitura de Nova Lima diz que se preocupa com a situação e que, após o desastre de Brumadinho, criou uma comissão de acompanhamento das 26 barragens de resíduos/rejeitos da mineração que estão dentro do perímetro do município, incluindo a Capitão do Mato, em Macacos. O grupo será composto por representantes das secretarias municipais de Meio Ambiente e de Obras, além da Defesa Civil. Conforme nota enviada pelo Executivo municipal, a primeira ação dessa comissão é reunir toda documentação disponível das barragens que estão na cidade para analisar cada um dos relatórios passados pelas empresas mineradoras. “A comissão está empenhada ainda em enviar à Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (Semad), ao Ministério Público e à Agência Nacional de Mineração (ANM) ofício com o resultado das pendências eventualmente encontradas, a fim de buscar uma solução”, diz o comunicado.

A Vale informou por meio de nota que “todas as suas barragens possuem um Plano de Ação de Emergência de Barragens de Mineração (PAEBM), conforme estabelece a legislação brasileira. Esse plano é construído com base em estudos técnicos de cenários hipotéticos para o caso de um rompimento. O PAEBM prevê qual será a mancha de inundação e também a zona de autossalvamento”. Ainda segundo a nota, a “Barragem Vargem Grande (que engloba Capitão do Mato e Capão da Serra), em Nova Lima, está entre as que serão descomissionadas pela Vale, mas as minas ainda não foram paralisadas. As unidades terão sua produção paralisada após as autorizações dos órgãos competentes para que o processo de descomissionamento seja iniciado e as empresas sejam contratadas”, informou.

A Semad também foi procurada para comentar sobre a atual situação da Mina Capitão do Mato, mas até o fechamento da edição não havia se manifestado.



Via: Diário de Pernambuco

Por: Simone Novaes

Simone Novaes

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